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Horizonte da Cena

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Sobre Carolinas

– por Soraya Martins – Crítica de Memórias de Bitita, do Circo Teatro Olho da Rua.

Para comemorar o centenário do nascimento de Carolina Maria de Jesus, em 2014, o grupo Circo Teatro Olho da Rua leva para a cena Memórias de Bitita: o coração que não silenciou, um espetáculo cênico-musical que apresenta fragmentos da história de vida da escritora mineira: da infância pobre em Minas, passando pelas andanças como catadora de papel no interior do estado de São Paulo, ao sucesso como escritora.

carol-victor maestro

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Foto de Victor Maestro.

No palco, três atrizes, com idades diferentes, se revezam e se entrecruzam para narrar a trajetória de Bitita, marcada não só pelas questões sociais – desigualdade econômica e de gênero –, como também, e sobretudo, pelas questões raciais: “preto e pobre não reza na Catedral da Sé”, anuncia uma das várias músicas cantadas durante o espetáculo. Entre cenas que provocam risos, danças e canções cantaroladas em ritmo de festa, Memórias de Bitita critica a invisibilidade imposta pela sociedade aos negros, mais especificamente às mulheres negras, que constituem ainda a parcela da população que ganha os menores salários, são as maiores vítimas do feminicídio e vivem a realidade do celibato definitivo [1]. Mãe solteira e catadora dos “restos que não serviam a mais ninguém”, Bitita, como tantas mulheres negras, é duplamente invisibilizada. As três Carolinas do espetáculo – Carlandréia Nascimento, Eda Costa e Juliene Lelis –, embaladas pelas memórias da escritora de Quarto de Despejo, performatizam a condição de tantas outras Carolinas.

Memórias de Bitita leva para cena tanto as memórias traumáticas de Carolina quanto sua força ancestral de mulher negra. O refrão de uma das músicas cantadas no espetáculo, e que fica latente na cabeça do espectador, “salve ela, a vedete da favela”, informa o público que os sonhos da catadora de papel resistiram em meio à miséria, que ela conseguiu transformar “o que era resto em preciosidade”, em literatura. Já quase no final da peça, o público vê projetadas fotos de Carolina Maria de Jesus ao lado de escritoras como Clarice Lispector, evidenciando a importância que ela atingiu.

Mesmo com todo sucesso, com os escritos traduzidos em várias línguas, a fala de uma das Carolinas lembra o espectador que Bitita não esqueceu o seu lugar de origem, não esqueceu de onde sua voz/grito ecoa, que sabe do lugar de fala da sua literatura: “se existe reencarnação, quero voltar sempre negra”!

Memórias de Bitita: o coração que não silenciou liga o profundamente privado da história de Carolina Maria de Jesus com as práticas sociais encenadas no Brasil, performatiza – com músicas, danças e “causos”- a força da cultura negra da Diáspora e atualiza a história de desigualdade, racismo, de faltas e ausências que perpassa a vida de muitas mulheres negras brasileiras.

“Salve ela, a vedete da favela”! O encerramento com tom festivo, que convida o público a referenciar Bitita, não tira o peso da crítica que perpassa todo espetáculo. Ao final, as Carolinas são apresentadas com enfeites nos cabelos, com saias e blusas “bordadas” com seus escritos, uma vedete da favela, da literatura, da vida. Alegria e crítica percorrem o mesmo trilho.

[1] FREITAS, Maitê. A cor do amor. O cotidiano afetivo da mulher negra: da compreensão da solidão ao empoderamento. Edição 188, março 2014. Disponível em: http://racabrasil.uol.com.br/cultura-gente/188/artigo308843-2.asp/. Acesso em 10 de jun. 2014.

04/03/2016 TAGS: Belo Horizonte, Carolina Maria de Jesus, Teatro negro 1 COMMENT
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    Soraya Martins

    Atriz, crítica teatral e curadora independente. Curadora do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia- FIAC-2019/2021/2022 e do Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte- FIT-BH-2018. Doutora em Literatura de Língua Portuguesa e mestre em Estudos Literários. Atriz formada pelo Teatro Universitário da UFMG. Cursou Semiologia do Teatro no Dipartimento di Musica e Spettacolo dell´Università di Bologna, Itália. Desde 2005, atua como atriz e pesquisadora de teatralidades brasileiras. Escreve críticas teatrais tanto para o projeto segundaPRETA quanto para o site Horizonte da Cena e para festivais, como: Festival de Curitiba, Mostra Internacional de Teatro- MITsp, Festival Estudantil de Teatro- BH, Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto. Tem em seu currículo trabalhos realizados junto a diversos grupos de teatro, entre eles, o Grupo Espanca!
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O Horizonte da Cena é um site de crítica de teatro criado em setembro de 2012 pelas críticas Luciana Romagnolli e Soraya Belusi, em Belo Horizonte. Atualmente, são editores Clóvis Domingos, Guilherme Diniz e Julia Guimarães. Também atuam como críticos Ana Luísa Santos, Diogo Horta, Felipe Cordeiro, Marcos Alexandre, Soraya Martins e Victor Guimarães. Julia Guimarães e Diogo Horta criaram, em 2020, o podcast do site. Saiba mais

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