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Horizonte da Cena

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coberturas críticas

Woyzeck e seus planos de fuga

— por Daniel Toledo —

Crítica do espetáculo “Woyzeck”, de Andriy Zholdak (Ucrânia).

Estamos em Cherkazy, na Ucrânia. O ano é 2008, e a estátua de Lênin – imponente vestígio da dominação soviética – acaba de ser retirada de uma das principais praças da cidade. Ao contrário do que se poderia pensar, entretanto, não é a liberdade que ganha espaço no país, mas sim uma nova corrida de diferentes impérios igualmente interessados em dominá-lo, a partir de ações que se estendem desde a política internacional até a vida cotidiana de seus habitantes.

Não por acaso, certamente, foi esse o contexto escolhido pelo diretor ucraniano Andriy Zholdak para recriar, à sua maneira, a trajetória de Woyzeck, personagem que dá título à peça mais conhecida do alemão Georg Büchner. Apresentada pela primeira vez em 2008, mesmo ano da remoção da estátua, a montagem de Zholdak vai ao encontro de uma cidade cuja história é marcada por cruéis experimentos sociais e econômicos do estado soviético – experimentos que em muito se aproximam da dieta de ervilhas à qual Woyzeck é submetido no drama de Büchner e que acaba lhe provocando algumas visões apocalípticas. “Woyzeck vê coisas demais”, escuta-se, em certo ponto do espetáculo.

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

"Woyzeck", de Andriy Zholdak

Como se tivéssemos sido submetidos à mesma dieta do personagem, também nós, que assistimos à montagem de Zholdak, vemos coisas demais. Dispostos ante uma encenação permanentemente marcada por justaposições e simultaneidades, temos acesso a três casas de vidro e três grandes telas de projeção onde múltiplas imagens se dão a ver. Constitui-se, então, uma paisagem cênica e dramatúrgica bastante perturbadora, em que sobressaem a qualidade performática das interpretações e a criação de sentidos a partir de contrastantes composições entre cenas e imagens digitais.

Por meio de alegorias mais ou menos diretas, vemos, por exemplo, as obscenas relações estabelecidas entre a nação ucraniana e os impérios que a ela ainda hoje se impõem. Em um complexo trânsito entre as escalas da nação e do cidadão, imagens documentais e ações cênicas igualmente chamam atenção às precárias e violentas condições de vida dos habitantes do país – dentre os quais figuram, ali, Woyzeck, sua esposa e seu filho. Mas não é somente a esta família que se refere a peça, alerta o diretor, logo no início da montagem. “São 15 milhões de pobres”, lê-se em uma das telas de projeção, revelando estatística que corresponde a cerca de um terço da corrente população ucraniana.

 Com ares de ficção científica (talvez inspirados pelos próprios experimentos aos quais o personagem é submetido), parece interessante ressaltar que o espetáculo se apresenta ao público exclusivamente em tons de preto e branco, chamando atenção a uma realidade dura e fria em que a graça e a beleza estão bem longe do primeiro plano. As únicas cores que temos ali vêm das pálidas peles dos atores e de alguns animais empalhados que ornamentam o cenário.

A animalidade, aliás, é outro elemento que rapidamente se alastra à cena, a partir de personagens que roncam, uivam e coaxam, ostentando, em alguns momentos, chifres e orelhas animalescas. Se a caça é apresentada como um hábito bastante comum na Ucrânia, também as relações humanas parecem ter sido contaminadas: tanto Woyzeck e sua esposa quanto outros personagens apresentados com menor detalhe frequentemente cruzam o palco, traçando diferentes rotas de fuga daqueles que parecem querer capturá-los.

“Eu quero ser livre. Quero viver em um país livre. Quero ter uma vida noturna”, afirma Maria, a esposa de Woyzeck, pouco antes do anúncio do início do segundo ato do espetáculo. Usando capacetes de moto, os dois desdobram os delírios de Woyzeck a outras alturas. Ao silenciar por alguns instantes as permanentes negociações políticas no gabinete do governo e nos espaços da elite, vislumbram uma possível fuga a partir de um encontro romântico em que novos horizontes, ao menos instantaneamente, parecem se abrir. Se as fronteiras territoriais parecem sitiadas e dominadas por outros impérios, a fronteira com o céu lhes parece mais amigável e promissora. “Não fique em silêncio. Fale algo”, pede a mulher. Mas Woyzeck nada pode prometer em meio a uma realidade social na qual tanto o amor quanto a liberdade não passam de utopias tão distantes quanto o céu e as estrelas.

Não tarda, contudo, até que a opressora realidade social novamente se imponha aos personagens, e Maria, tal qual a própria Ucrânia e seus chefes de estado, se deixe envolver por fios vindos de impérios políticos e econômicos que desde o início da peça rondam sua trajetória. Antes de ceder, contudo, ela oferece ao filho um sábio conselho: “Feche bem os olhos”, diz, em possível referência aos riscos de se enxergar demais.

08/03/2015 TAGS: Andriy Zholdak, cinema, MITsp, Ucrânia, Woyzeck 1 COMMENT
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