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Horizonte da Cena

Horizonte da Cena

críticas

por uma performance queer com o início do fim ou de beckett, até a última ponta

* * * Esse texto faz parte do projeto arquipélago de fomento à crítica, com apoio da https://www.corporastreado.com/

ensaio crítico com “Fim de Partida” pela Trupe Garnizé, apresentado no CCBB-BH.

por ana luisa santos

“Este distinto hotel é muito antigo; já na época do rei Clóvis se morria nele em algumas camas. Agora se morre em 559 camas. De um modo industrial, obviamente. Com uma produção tão grande, a morte individual não é tão bem-feita, mas isso também não importa. O que conta é a quantidade. Quem hoje ainda dá alguma coisa por uma morte bem acabada? Ninguém. Mesmo os ricos, que poderiam se permitir uma morte minuciosa, começam a se tornar descuidados e indiferentes; o desejo de ter uma morte própria se torna cada vez mais raro. Mais um pouco, e será tão raro quanto uma vida própria. Deus, tudo está aí. A pessoa chega, encontra uma vida, pronta, e é só vesti-la. A pessoa quer ir embora ou é obrigada a tanto: bem, nenhum esforço: Voilá votre mort, monsieur. As pessoas morrem do jeito que der; morrem a morte que cabe à doença que têm (pois, desde que todas as doenças são conhecidas, também se sabe que os diferentes epílogos letais cabem às doenças e não às pessoas; e o doente, por assim dizer, não tem nada a fazer).”

Rainer Maria Rilke

“Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”

 

começa terminando o parágrafo. A frase. Não, o parágrafo.

o capítulo.

início do fim

A descoberta do fim. A invenção do fim. A atual imaginação do desaparecimento. Ninguém sabe se teve mesmo, se teve depois. Parece que não veio. Faltou. Se extinguiu. A finalização tardia. O capitalismo tardio. O capitaloceno. Não, o antropoceno. Melhor, o tchutchuloceno. Pronto, terminou. 

0: ZERO A ZERO… COM OU SEM PRORROGAÇÃO?

01: VAI SER NOS PÊNALTIS. NÃO, NOS ACRÉSCIMOS.

0: FOI ASSIM… DESSE JEITO, COMO DIZER? MINGUANTE. LUA MINGUANTE. NÃO, QUARTO MINGUANTE. O ÚLTIMO FIO DE CABELO. O DERRADEIRO TÉRMINO. ZÉ FINI. PARTIU. PUIU. JÁ TÁ ESGARÇADO. DEU PAU. DEU RUIM. SEM ESCOLTA. SEM DENTES. PODE ESCOLHER: COM OU SEM ESCOLTA?

01: NO BUNKER, É CLARO… COM BECKETT. MENSTRUANDO (AINDA). DAQUI A POUCO, NO MEU CASO, NÃO MAIS… PODE SER COM BECKETT MENSTRUANDO. AINDA. BECKETT FÉRTIL. AINDA. ATÉ A ÚLTIMA PONTA. AINDA. VOCÊ OUVIU? PASSA A BOLA…

0: QUEM AINDA QUER CONTINUAR JOGANDO? PASSA OU REPASSA. QUEM QUER CONTINUAR NO JOGO? QUEM VOCÊ QUER QUE CONTINUE NO JOGO? É SÓ LIGAR PARA VOTAR. O LÍDER TÁ FORA.

01: NÃO, ESSA SEMANA NÃO TEM LÍDER.

0: ESSA SEMANA TEM ANJO.

01: BENJAMIN, O ANJO OLHANDO DE COSTAS.

0: NELSON, O ANJO PORNOGRÁFICO.

01: ANJO NÃO TEM COSTAS.

0: SERÁ QUE AS ASAS OCUPAM TODO O ESPAÇO? ACHO QUE NÃO VAI CABER AS ASAS NO BUNKER. SÓ EM FORMA DE LIVROS. LIVROS COMO ASAS, ASAS DAS MÃOS. PALAVRAS VOANDO, VOANDO. E VOCÊ PODE ESCOLHER.

01: QUEM VOCÊ QUER QUE CONTINUE NO BUNKER? QUEM VOCÊ SALVA COM A MEDALHA DE ANJO DO BUNKER?

0: PARA QUEM VOCÊ ACHA QUE O JOGO TERMINOU?

01: POR QUE VOCÊ DEVE PERMANECER NO BUNKER? QUE JOGO VOCÊ CONHECE?

0: BURACO. RESTA UM. WAR. PURRINHA. JOGO DA VIDA. CARA A CARA. VERDADE OU CONSEQUÊNCIA. VACA AMARELA.

 

perdeu

0: PERDEU, PLAYBOY…

 

pocket show

VACA AMARELA: ESSA É UMA NOVA MODALIDADE DE JOGO. QUEM GANHAR SAI PRIMEIRO. QUEM QUISER GANHAR TEM QUE PERDER. PERDER PRIMEIRO OU DURANTE. DURANTE O JOGO, SAIR PERDENDO. DEBANDAR DE GANHAR. DESABAR DO PÓDIO.

01: E SE TODO MUNDO COMEÇAR PERDENDO?

0: FOSSO IMOBILIÁRIO. FOSSA IMOBILIÁRIA. DÍVIDA. DÍVIDA IMPAGÁVEL. ANTI-SUCESSION.

VACA AMARELA: ENQUANTO ISSO, NA SALA DA JUSTIÇA.

01: O JUIZ PEDE A BOLA…

0: A BOLA ROLA NO UNIVERSO… GIRANDO, PERDIDA, COM OU SEM OS ANÉIS.

VACA AMARELA: SENHOR DOS ANÉIS. COM OU SEM OS DEDOS.

01: O ANEL DE GIGES ESTÁ EMPENHADO NO JOGO.

0: QUEM DÁ MENOS.

VACA AMARELA: QUEM DÁ LIKE. QUEM DÁ MENOS LIKE.

0: QUEM NÃO GOSTOU.

01: AQUELE QUE NÃO ENTENDEU NADA.

0: NEM SABIA QUE ERA UM JOGO. UMA PARTIDA DE CARTAS MARCADAS. HOUSE OF CARDS.

VACA AMARELA: VENDEMOS BARALHOS USADOS. O KIT DE FICHAS. UM ORELHÃO.

0: AQUELE SOM DE QUANDO CAI A FICHA.

01: AQUELA LENGA-LENGA ATÉ CHAMAR.

0: DEU OCUPADO.

01: NÃO COMPLETOU A LIGAÇÃO.

VACA AMARELA: O FORRO VERDE DA MESA DE JOGO COM A MARCA DO CIGARRO. A MARCA DO CIGARRO NO EVENTO DE DANÇA. O PULMÃO PERFURADO DEPOIS DA MANIFESTAÇÃO. O ESTADO DE EXCEÇÃO. A ÚLTIMA ESTAÇÃO. PONTO FINAL.

Fotos de Camila Botelho 

Aqui jaz: intervalo

0: QUANTO TEMPO JÁ TEM DE PEÇA?

01: SÃO DUAS HORAS DE DURAÇÃO COM INTERVALO DE 10 MINUTOS. DEZ MINUTOS DE EXPECTATIVAS DECRESCENTES…

0: E O RELÓGIO NUCLEAR MARCANDO 27 SEGUNDOS PARA A MEIA-NOITE. EM OUTRO FUSO INDICADO PELO CELULAR COM DEFEITO, SÃO VINTE E QUATRO HORAS. APROVEITEM BEM ANTES DO FIM. BEM ANTES DO FIM. UMA HORA TERMINA. LEVA 60 MINUTOS, DIZEM… TRAVESSIA…

01:  NO FINAL, O JAGUNÇO ERA UMA MULHER. POR QUE NÃO BANCAR UM HOMEM ATÉ O FINAL?

0: ATÉ O FIM, NENHUM HOMEM. NENHUM MENINO. DUAS JANELAS. MINÚSCULAS…

01: DÁ PRA MELHORAR O DESIGN DO APLICATIVO?

0: EM QUAL PLATAFORMA?

01: FECHA A JANELA NAQUELE XIZINHO EM CIMA, À DIREITA. ISSO, À DIREITA.

Do outro lado, uma cadeira de rodas. Uma cadeira de rodas adaptada com um tablet.

0: TEM OUTRO NOME PRA TABLET? COMO SE DEFINE UM TABLET?

01: ENFIM, UMA TELA. UMA TELA DIGITAL, SENSÍVEL AO TOQUE. UMA TELA SENSÍVEL. SÓ A TELA É SENSÍVEL AO TOQUE NO BUNKER.

0: NÃO É FAKE NEWS, É UM BUNKER MESMO…

01: SÓ A TELA É TOCADA NO BUNKER. VOCÊ TOCA PARA ENCONTRAR O TEXTO.

0: QUANDO EU TOCO EU NÃO CONSIGO ENCONTRAR O TEXTO… O TEXTO SOME TODA HORA…

01: APAGA…

0: A TELA APAGA.

01: REINICIA.

0: A TELA APAGA O TEXTO.

01: COLOCA PRA CARREGAR.

Vai até a última ponta de fóssil. Até a última ponta de combustível fóssil. Acende a tela. Lê o texto. Queima a ponta. Erra o texto. Perde a marca. Pede a maca. Pede a marcação. Pede pra sair. Ombro a ombro. O texto sumiu. Não é possível achar o texto.

0: SERÁ QUE DÁ PRA ENVIAR DE NOVO O TEXTO POR WHAT´S APP?

01: QUAL TEXTO?

0: AQUELE ÚLTIMO. O ÚLTIMO TEXTO.

01: O FINAL?

0: AQUELA PARTE ANTES DO FINAL. QUASE NO FINAL.

01: TÁ, TE MANDO COM O FINAL JUNTO, TUDO BEM. TEM PROBLEMA TER SPOILER?

0: NÃO, NÃO TEM PROBLEMA. NÃO, NÃO TENHO PROBLEMA COM SPOILER.

01: VOCÊ VAI PARTICIPAR DA SEGUNDA TEMPORADA?

0: ACHO QUE NÃO, NÃO SEI…

cenas cortadas

O teatro moribundo. Essa história é velha… Alguém lembra, aqui?

01: TEM AQUELA VERSÃO…

0: QUAL?

01: AQUELA…

0: E AQUELA OUTRA?

01: A REMASTERIZADA? ESSA SÓ PARA ASSINANTES. O CARTÃO DO BANCO DÁ DESCONTO.

0: EU NÃO TENHO ASSINATURA.

01: ALGUÉM PASSA A SENHA PRA ELA? CLOV, DIGITA A SENHA PRA ELA, JÁ FALEI. A SENHA É BECKETT@2024.

0: COM DOIS T´S?

01: E CK. LEMBRA DE CALVIN KLEIN E A MODELO ANORÉXICA.

0: É, É BEM ESSA ESTÉTICA. CRUA. NUDE. COM MÁSCARA DE CLOWN. TODO MUNDO DE MÁSCARA.

As máscaras de oxigênio caem do compartimento. Ouve-se uma voz dizendo “Coloque a máscara primeiro em você antes de ajudar crianças e idosos. Siga nossos perfis nas redes sociais. O assento da poltrona é flutuante. Para saber mais consulte um dos nossos colaboradores”.

0: COMO SE RESPIRA PELA PRIMEIRA VEZ?

Lê a frase no tablet.

0: QUANDO EU CAIR, CHORAREI DE FELICIDADE.

01: É PRA APLAUDIR NO FINAL? É PRA LEVANTAR? É PRA LEVANTAR NO FINAL PRA APLAUDIR?

0: AGORA ANTES DO HINO NACIONAL NÃO FALA MAIS “VAMOS FICAR DE PÉ”, FALA “POSIÇÃO DE RESPEITO”, EU ACHEI BEM INTERESSANTE. QUEM CONHECE O ÚLTIMO APLAUSO?

01: ANTES DE CORTAR O BOLO, ACHO QUE EU GOSTARIA DE DIZER UMAS PALAVRAS…

0: UM MINUTO DE SILÊNCIO.

Afasia (mudez). Atambia (falta de capacidade para o terror ou o espanto). Uma gramática para as crises. Absurdo é crer. Crer porque é absurdo.

p.s.

Do outro lado, o apocalipse. Não, do outro lado, macetando o apocalipse. Acabou, boa sorte. Não tenho o que dizer. São só palavras.

01: APERTA O REPEAT. VOLTA DO INÍCIO. É SÓ COLOCAR NA LISTA DE SEQUÊNCIA. CUIDADO PARA NÃO COLOCAR O ÁLBUM INTEIRO. É SÓ ESSA ÚLTIMA FAIXA.

0: É SÓ O QUE TEM PRA HOJE. NÃO VENDEMOS FIADO. FIADO SÓ AMANHÃ. FIADO SÓ O AMANHÃ. O AMANHÃ NÃO ESTÁ À VENDA.

01: NÃO GOSTEI.

0: NÃO GOSTAR É ÓTIMO.

01: PREFIRO NÃO.

0: COLOCA NA CONTA. ANOTA NO CADERNINHO. ENROLA NO CARTÃO.

01: É APROXIMAÇÃO?

0: NÃO, É DE INSERIR MESMO. É DENGUE. É PIX. É MOSQUITO DA DENGUE.

 

Sugestão de nota de rodapé (aviso de spoiler com gatilho): Hamm e Clov são pai e filho na vida real. Eles são palhaços. Hamm teve dois AVC`s e está em uma cadeira de rodas. Clov tenta colocar um livro em cima do outro, uma letra em cima da outra, inutilmente. Hamm manda em Clov. Os pais de Hamm perderam as pernas e morrem na praia. Quer dizer, ocupam latões com areia. Ou na palha. Clov usa a escada para ver uma das janelas depois de Hamm mandar enxergar alguma coisa. Hamm exige o cachorro de três pernas. Os pais de Hamm tentam contar uma história. A memória dói mais que conforta. Clov troca a fralda de Hamm em cena. Estamos progredindo. Os analgésicos acabaram. Hamm esquece o texto. Quer dizer, Hamm esquece onde está no texto do tablet. Clov ajuda Hamm a encontrar o texto. A cena se repete. Repete a deixa. Repete a cena. Vamos começar de novo. Daquela parte. De onde? Daquela parte no final. A porta não tem maçaneta. Clov tem uma mala. Clov não consegue sair. Hamm não sai da cadeira de rodas. Hamm matou seus pais, diz a psicanálise. Hamm deixou outras pessoas morrerem. Hamm adotou Clov. Na vida real, Clov adotou Hamm. Fica-se esperando o rato entrar em cena. Esperando o rato. Esperando Mickey. Ninguém sai. Ninguém sai. Ninguém sai. Ninguém sai até o rato aparecer.

 

epílogo

01: ESSE MOUSE ESTÁ COM DEFEITO. É ATÉ DIFÍCIL SAIR DO TEATRO.

0: SEM ANISTIA.

01: NÃO TEM JEITO DE MEXER O CURSOR NA TELA.

0: ESSA TELA É TOUCH-SCREEM?

01: DÁ UM ZOOM.

0: O QUE?

01: DÁ UM ZOOM. É SÓ CLICAR.

0: APARECEU UM LINK DO DRIVE: VIOLÊNCIA DO INDIZÍVEL. TEM UM MONTE DE PDF.

01: E VOCÊ LÁ TEM MEMÓRIA PRA BAIXAR ISSO TUDO?

0: RAM É O NOME DA MEMÓRIA.

01: TROCA O CARTÃO DE MEMÓRIA.

0: A LINGUAGEM É INSUFICIENTE.

01: VOCÊ PRECISA DE UM CARTÃO COM MAIS MEMÓRIA. O NEGÓCIO É O PROCESSADOR.

0: PODE COMEÇAR DE QUALQUER PARTE.

 

prólogo antes do fim

uma imagem. Um corpo na escada. Um corpo caído na escada. Um corpo desabado sobre uma escada portátil. A cabeça atravessa a alça da escada. O corpo está dependurado na escada. O corpo descarrega ser peso sobre os degraus. Será que desistiu de subir? Será que sua cabeça por baixo da alça impede o corpo de avançar? Para que serve uma escada? Para que ser uma escada, afinal? O tablet pode ser escada? Por que não dormir sobre os degraus? Quem disse que alguém tem que querer subir? Por que não desabar o peso sobre o objeto portátil e inútil, tornando-o ainda mais inútil em sua função inicial ou comum ou conhecida? Para que serve um final? Para que serve o final ou a finalidade de alguma coisa ou alguém? O desvio da função da escada. O desvio da função do fim. Uma nova perspectiva para os degraus. Uma nova possibilidade de final. Onde queremos chegar? É preciso querer ou desejar outra coisa além do final? Por um acaso esse desejo ou lugar está em cima? É preciso subir para alcança-lo? É preciso galgar degraus em torno desse objetivo? E quando o corpo inventa o sono? Quais serão os sonhos caídos pela escada abaixo… por que se apegar com a escada literal. Quantos degraus pode ter uma escada portátil? Quais músculos das pernas e dos glúteos são utilizados nesse movimento de elevação? Como equilibramos em cima dos degraus? Como não caímos? Quantos degraus nos derrubam até chegarmos lá embaixo? Dormimos na escada como se dormíssemos no ponto… no ponto entre dois pontos. Para ver janelas altas é preciso usar a escada? Usar a escada para subir… a escada é uma espécie de muleta para enxergar do alto. Por que não abrir a porta? Porque não utilizar a escada para pular a janela? No último degrau, debaixo da alça, a cabeça desaba. No degrau mais alto, debaixo da alça, a cabeça despenca. No degrau mais distante do chão, mais distante da terra, a cabeça descansa. A cabeça não pensa na escada. Os degraus não sabem novos pontos de vista. Estar em cima não necessariamente faz enxergar outra perspectiva. A atual imaginação do desaparecimento. Desse ponto, só dá pra ver o degrau de perto.

Ou

Como abrir mão de uma ideia de final definitivo? Quem disse que já não terminou? O que aconteceu depois do final?

Várias cenas de finalização

Alguém se despede e sai

Alguém desiste e vai embora

Alguém se recusa

Alguém morre

Alguém termina de ler um texto

Alguém lê a última página primeiro

Alguém decide um horário para terminar

As condições para alguém chegar não são possíveis

Alguém interrompe a vida de alguém

Alguém finaliza uma tarefa

Alguém termina uma piada

A bateria do celular acaba

Alguém fecha os olhos antes de dormir

A frase termina no limite da folha de papel

Alguém menstrua

Alguém finaliza o cigarro apertando a guimba no cinzeiro

A brasa se apaga

Para de chover

Fica escuro

Raia o dia

Minha mãe não se lembra do meu aniversário

Alguém entrega as chaves de casa

Alguém não consegue beber como antes

Alguém não dorme mais como antigamente

Alguém não entende mais o que o outro quer dizer

Alguém termina de comer uma maçã

Alguém cospe as sementes

Alguém cospe na cara de alguém

Alguém não quer fazer mais nada

Alguém se cansa definitivamente

O sinal toca

Os trabalhadores saem da fábrica

Ninguém atende a ligação

Não tem mais pó de café

Não há possibilidades de pedir ou comprar mais bebidas para a festa

Você diz sim para uma nova fase da vida

Você não se reconhece no espelho

Você descobre que o paraíso não é um final plausível

Você entende que o início do país foi o término de um mundo

Você percebe que o final de matéria fossilizada há milhões de anos é material de combustão para dar a partida

Você se pergunta se manifestações artísticas reverberam no tempo, contrariando a noção de conclusão

Você descobre que a análise nunca termina

Você agradece porque conclui a planilha

Você se dá conta que não é possível finalizar o texto

Nenhuma biblioteca é suficiente

E as cosmogonias são expansivas

É o próprio limite que termina

E a noção de corte parece mais possível

Até o fim, o próximo fim é provisório.

 

Release, ficha técnica e informações de serviço de “Fim de Partida”

Eid Ribeiro celebra 80 anos com nova encenação de “Fim de Partida”, de Samuel Beckett

Espetáculo baseado no texto de Beckett traz o mundo sombrio e angustiante do autor irlandês vivido por dois palhaços: pai e filho. “Fim de Partida” estreia em 15 de fevereiro, no CCBB BH, seguindo temporada até 18 de março

Ao completar 80 anos de vida, Eid Ribeiro retorna a um dos mais conhecidos textos de Samuel Beckett: “Fim de Partida”, peça já levada aos palcos pelo diretor mineiro nos anos 1980. Hoje um dos mais relevantes artistas do teatro brasileiro, Eid inova ao revisitar o espetáculo, tendo, desta vez, dois palhaços da Trupe Garnizé como protagonistas: Francisco Dornellas e seu filho Victor. Completam o elenco, em participações especiais, João Santos e Marina Viana.

A estreia ocorre na quinta, 15/02, às 19h. O espetáculo cumprirá temporada no Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte (CCBB BH), de 15 de fevereiro a 18 de março, de sexta a segunda, sempre às 19h, com ingressos a partir de 15 reais a meia-entrada, que podem ser adquiridos na bilheteria do CCBB BH ou no site www.ccbb.com.br/bh.

“Fim de Partida” busca provocar uma simbiose entre o personagem da ficção beckettiana e a linguagem da palhaçaria, com duas narrativas que percorrerão caminhos paralelos, mas que se identificarão em determinados momentos, praticando um jogo de ironia e escárnio, rindo do trágico destino traçado para a humanidade. O espetáculo foi escrito por Beckett num contexto pós-catástrofes. Após duas guerras mundiais, sobre os destroços e os entulhos do nazifascismo, Beckett desloca o olhar sobre este plano geral de destruição e envenenamento social e escreve, entre 1954 e 1956, uma peça sobre as relações tóxicas, servis e parentais. No espaço fechado de um bunker, as duas personagens principais, Hamm e Clov, agem e dialogam num jogo de repetições próprio da comédia burlesca.

A nova montagem de Eid Ribeiro traz para a cena um Beckett com tons de comédia, sem deixar de ser profundamente humano. No espetáculo, Francisco Dornellas (78) vive Hamm e contorna as dificuldades motoras e cognitivas ocasionadas por dois AVCs recentes. Para superar os desafios, Chico conta com recursos tecnológicos e o auxílio do filho, Victor Dhornelas, com quem divide a cena desde a infância de Victor. “Queremos mostrar que Samuel Beckett é um escritor e poeta visionário. À medida que o tempo passa, sua criação se torna cada vez mais atual diante do mundo em que vivemos. E nada melhor que a sabedoria de um velho palhaço para narrar a sua história. Esperamos, assim, que o nosso Fim de Partida seja uma ode de amor ao teatro, como também demonstrar a possibilidade de enaltecer a vida através da arte”, explica o diretor Eid Ribeiro.

O resultado pode ser visto como um espetáculo que navega rumo ao acaso e à improvisação, mas com pontual elaboração em determinados momentos. “Enquanto o mundo caminha para a extinção, no premonitório planeta Beckettiano, onde os seres humanos não conseguem se comunicar apesar de falarem pelos cotovelos, o humor e o riso fazem parte dessa nossa tragédia. E nada melhor que ter ao lado a companhia de dois palhaços. Por que não? A estrada é longa, cheia de curvas e encruzilhadas onde podemos nos perder”, reflete Eid Ribeiro.

SOBRE EID RIBEIRO

Eid José Ribeiro Aguiar é um dos artistas mais relevantes da cena artística mineira e nacional. Nascido em Caxambu em 1943, o dramaturgo, roteirista e diretor teatral já dirigiu e escreveu para coletivos como Grupo Galpão, Grupo Teatro Delle Radici (Suíça), Grupo Trama, Cia Acômica e Grupo Armatrux. Foi ainda fundador do Grupo Geração, coletivo teatral que atuou na resistência à ditadura militar no Brasil, repórter e colunista de diversos jornais mineiros e fluminenses e curador e diretor de programação do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte.

Um dos artistas veteranos mais atuantes do cenário mineiro, Eid Ribeiro marca sua obra com um estilo inconfundível, que traz referências que vão do teatro moderno norte-americano e europeu aos circos mambembes do Brasil; do experimental ao popular; do grotesco ao sublime; do existencial ao político. Como dramaturgo, seus primeiros textos foram escritos durante sua internação no Sanatório dos Bancários, por decorrência de uma tuberculose, onde fez teatro com outros internos. Ingressando posteriormente no Teatro Universitário, em 1965, Eid passa a fazer parte de uma geração importante de autores que inclui nomes como Alcione Araújo e José Antônio de Souza. Desde então, seus textos já foram encenados por diversos grupos e diretores espalhados pelo país, vencedores de vários concursos e prêmios.

 

Ficha Técnica FIM DE PARTIDA

Direção Eid Ribeiro

Assistente de direção João Santos

Texto Samuel Beckett

Tradução Fábio de Souza Andrade

Elenco Francisco Dornellas, Victor Dhornelas, João Santos e Marina Viana

Iluminação Bruno Cerezoli

Trilha Sonora Eid Ribeiro e João Santos

Efeitos sonoros e Trilha sonora original Airon Gischewski

Cenário e figurino Eduardo Félix

Assistente de cenografia Márcio Miranda

Costureira Aurora Majnoni

Serralheiro Nilson Santos

Colaboração artística (figurino e maquiagem) Thálita Motta

Execução de maquiagem Victor Dhornelas

Confecção de boneco Leandro Marra e Eduardo Félix

Consultor de palhaçaria Evandro Heringer

Preparação corporal Eliatrice Gischewski

Preparação vocal Ana Hadad

Produção executiva Nathan Coutinho

Assistentes de produção Guga Medeiros e Daniel Dornellas

Coordenação de Produção e Gestão de projeto Cris Moreira – Esparrama!

Gestão financeira Graziane Gonçalves

Coordenação de Comunicação Bárbara Amaral

Assessoria de Imprensa Jozane Faleiro – Luz Comunicação

Programação Visual Tiago de Macedo – Estúdio Ofício

 

INFORMAÇÕES DE SERVIÇO Fim de Partida

Quando: 15 de fevereiro a 18 de março, às 19h

Temporada: Sexta a segunda

Local: Teatro II – CCBB BH – Praça da Liberdade

Duração: 135 minutos, com 10 minutos de intervalo

Classificação Indicativa: 16 anos

Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), disponíveis no site ccbb.com.br/bh e na bilheteria do CCBB BH.

 

Fotografia: Camila Botelho

 

Agradecimentos do ensaio crítico: Clara Delgado (edição), Wilson de Avellar (edição).

 

 

 

 

 

 

 

 

15/03/2024 TAGS: Ana Luísa Santos, Beckett, Belo Horizonte, Eid Ribeiro, teatro brasileiro, Trupe Garnizé 0 COMMENT
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Sobre o passado operando no futuro e reconfigurando o presente

ELA são muitas elas: vida, morte, arte e criação

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    Ana Luisa Santos

    Ana Luísa Santos é performer e escritora. Mestre em Comunicação Social (UFMG) e pós-graduada em Arte da Performance (FAV). www.anasantosnovo.com

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