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Horizonte da Cena

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(Des)Caminhos Narrativos da Memória em “A Noite Devora Seus Filhos”

Por Soraya Belusi
Uma lembrança que era melhor não se ter. Que, estancada nos labirintos da memória, parece emudecer algo que não pode permitir-se calar. Uma história contada por duas personagens, marcadas pela violência que compartilharam. Como contar isso ao outro se o que mais queremos é justamente não nos recordar? Como retratar, como diz um dos personagens de “A Noite Devora seus Filhos”, “aquilo que não se pode, não se quer e não se deve ver”?.
Escrito em 1999, pelo diretor e dramaturgo argentino Daniel Veronese – o mesmo que assina a direção e o texto “O Líquido Tátil”, espetáculo mais recente do Espanca! – “A Noite Devora seus Filhos” é base da montagem de mesmo nome que esteve em cartaz em Belo Horizonte, no Espaço Esquyna, pela programação do projeto Paisagens Poéticas. O trabalho é um desdobramento do experimento criado inicialmente para o Festival de Cenas Curtas e tem concepção de Alexandre de Sena, Mariana Maioline, Gustavo Bones, Gláucia Vandeveld e Renata Cabral, estas últimas, presentes em cena. 
Gustavo Bones, também integrante do Espanca!, numa espécie de produtiva contaminação do trabalho com seu grupo, adaptou a peça do argentino, que originalmente se apresenta como um monólogo, para ser levada à cena por duas atrizes. Com isso, não apenas parece ter permitido outras camadas de jogo e símbolos para a encenação como também realizou a multiplicação de vozes atuantes na narrativa algo caro à própria temática da peça.
Gláucia e Renata se apresentam no limiar entre a construção de um personagem e
o despojamento completo da persona, num processo artesanal, nem por isso aparente, de mostrar e esconder facetas que não se pode revelar. O cenário aparentemente vazio, formado por grades, janelas, portas de demolição, como destroços vazados da memória, já servem de forte metáfora para o espectador que espera a ação/narração se iniciar.

Sabemos que uma história será contada. Uma lembrança detonada pela visão de um homem de jaqueta preta no bar. “Uma história terrível”, diz a personagem ao começar a narrar uma cena que testemunhou. São duplos da mesma pessoa? Representações do mesmo personagem em fases distintas de sua vida? Mãe e filha, pode supor o espectador a certa altura. Mas apenas supor. Gláucia e Renata não parecem se preocupar em estabelecer essa diferenciação entre quem é quem. São personagens contando as histórias de outras personagens, rodeando para chegar a elas mesmas, como numa dança sutil e guiada pela melodia das palavras. Não importa, a certa altura, quem é quem. Essas vozes se misturam, se potencializam, se duplicam.  E, mesmo que não contenham qualquer traço de ‘psicologismo’ na atuação, as atrizes não se omitem de estabelecer uma conexão racional/afetiva com o espectador, carregando-o pelos (des)caminhos da narrativa.
“A memória é uma somatória (…) Recordar pequenas coisas me faz relembrar a totalidade”, desculpa-se a atriz/personagem/narradora. E o artifício de, pouco a pouco ir tecendo essa linha meio desconexa de fatos, vai preenchendo também o espaço, que ganha um mesa, livros e fotografia sobre a cabeceira, uma arara com vestidos e outras peças de roupa, três xícaras.
A delicadeza e a tranquilidade no tom da atuação parece contrastar com a atmosfera de tensão permeada constantemente pelo espaço, não só pela própria dramaturgia, que nos alerta da atrocidade do fato que será revelado, mas pelas presenças estranhas que cruzam a cena (os técnicos/contra-regras/atores Alexandre de Sena e Jésus Lataliza), assim como pelos segundos que soavam intermináveis de silêncio e suspensão. As presenças “estranhas” (como a dos contra-regras e a lata de Fanta, por exemplo) buscam ressaltar, algumas utilizadas com mais eficiência que outras, o caráter de quebra com a ficção, um rompante de aqui e agora, às vezes, sem agregar grandes significados.   
O público está ali para saber o que aconteceu com aquelas duas mulheres, mãe e filha. E, levado como num fluxo de memória, acompanha histórias de paixão e desamor, como a da mulher que cuidava de sua mãe doente e um dia levou um homem para casa; o mesmo homem que vivia amordaçado porque sua mulher tinha obsessão pelos mistérios bucais e, por conta disso, acabou fazendo um pobre cego ser assassinado por seu cônjuge; da mulher que se apaixonou por seu cunhado em encontros na penumbra. Voltas e mais voltas para chegar ao ponto, mas que fazem todo o sentido.  Uma coisa vai levando à outra… “A Noite Devora seus Filhos” é trabalho de feitura artesanal. Como uma peça de tricô, dessas que se passam trançando com zelo. E cheia de buraquinhos entre um fio e outro, para o espectador completar.  
02/10/2012 TAGS: Belo Horizonte, Paisagens Poéticas 1 COMMENT
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O Horizonte da Cena é um site de crítica de teatro criado em setembro de 2012 pelas críticas Luciana Romagnolli e Soraya Belusi, em Belo Horizonte. Atualmente, são editores Clóvis Domingos, Guilherme Diniz e Julia Guimarães. Também atuam como críticos Ana Luísa Santos, Diogo Horta, Felipe Cordeiro, Marcos Alexandre, Soraya Martins e Victor Guimarães. Julia Guimarães e Diogo Horta criaram, em 2020, o podcast do site. Saiba mais

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