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Horizonte da Cena

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Fringe – Nas bordas com David Foster Wallace

por Luciana Romagnolli

“Uma História Radicalmente Condensada da Vida Pós Industrial”.

O escritor norte-americano David Foster Wallace (1962-2008) é o elemento em comum entre “Uma História Radicalmente Condensada da Vida Pós Industrial” (SP) e “Em Breve nos Cinemas” (PR), dois espetáculos que se constroem no limiar do teatro com outras linguagens. No primeiro caso, a performance; no segundo, a cinematográfica. As semelhanças entre as escolhas éticas e estéticas, contudo, detêm-se aí. Diante dos espetáculos, a quem não conheça previamente sua literatura, D. F. W. parecerá dois artistas distintos, nas questões e formas.

“Uma História Radicalmente Condensada…” busca inserir-se na vida do espectador, abdicando dos códigos e lugares estabelecidos tradicionalmente pelo teatro, para confrontá-lo a trechos do livro “Breves Entrevistas com Homens Hediondos” nos quais as relações afetivas, românticas ou familiares, são afetadas pelo sexo. O espaço teatral tradicional é abandonado e, com ele, renuncia-se ao caráter de evento extracotidiano delimitado. A construção poética e expectatorial se desloca para o espaço urbano de um bar, onde os atores vão buscar modos de se aproximarem do público limítrofes com a ilusão da não atuação, do não teatral, do genuinamente cotidiano.

A escolha por anunciar um local e um horário de apresentação é o que distancia o espetáculo de uma intervenção propriamente dita, ou seja, da possibilidade de irromper inesperadamente confundido à ação cotidiana no ambiente. Não é o que se pretende. O espectador é empossado dessa condição, para além de mero frequentador do bar, no momento em que lhe é confiado um aparelho sonoro. A mediação da realidade através dos fones de ouvido o diferencia do não-espectador, colocando-o na condição fronteiriça de fruir a obra artística sem se descolar da situação imediata do bar, de modo a incitá-lo a ser, também, o mediador entre as realidades ficcional e imediata, aquele que as observa simultaneamente e é capaz de traçar entre elas conexões íntimas.

Ao abolir as convenções de início e fim de espetáculo, o elenco se mistura aos funcionários e frequentadores do bar produzindo um efeito de difícil distinção, a princípio. Mas, sobretudo, de que a observação das idiossincrasias alheias não cessa quando findar a apresentação. Ao espectador cabe um lugar de voyeur cujo binóculo foi trocado pelo fone. Privilegia-se, assim, a dramaturgia sonora (detentora das imagens fortes propostas por D. F. W) sobre a visual.

Esse é um grande feito de linguagem, uma vez que cria um mecanismo apto a preservar qualidades literárias que fundamentam o espetáculo, ao mesmo tempo em que as redimensiona espacializando e corporificando as imagens textuais. Como efeito, tem-se a fricção do cotidiano com a ficção, capaz de despertar para a ficcionalidade do que se toma por real, assim como para o lugar de espectador que se pode assumir nessa realidade.

“Um História…”

Dito isso, há de se considerar as variações proporcionadas pelo ambiente. Nesse sentido, embora o espetáculo pareça ter sido construído sobre uma noção genérica de bar, ele assume características de site specific às quais não demonstra ainda elaborar respostas. Tome-se duas apresentações como parâmetro. Em Belo Horizonte, a ação se realizou no bar Chef Túlio, um estabelecimento frequentado pela classe média e média-alta mineira, na zona Leste da Cidade. Aquele contexto ordenado — e sexualmente reprimido — é abalado em suas estruturas. Os contos de D. F. W. fazem do espectador testemunha dos abismos pessoais encontráveis transpondo-se a camada de moralismo e os ideais ascéticos com que a sociedade se protege do magma humano. Entre as micro-histórias, destaca-se a da mulher que só acessa sua própria sexualidade após desfazer-se da ilusão monogâmica da inocência sexual do marido. 

Em Curitiba, a escolha pelo bar Gato Preto, no baixo centro, fez com que os atores e suas histórias concorressem com um universo agitado de frequentadores composto inclusive de prostitutas e seus clientes, cuja aparência e o comportamento roubam a atenção do público. Um mercado sexual aberto, no qual não cabem mulheres reprimidas e monogamicamente inocentes. Se por um lado o espetáculo é mais absorvido (se não dispersado) pela dinâmica intensa das relações nesse contexto, por outro, perde contundência diante de uma realidade abissal. A história do filho atormentado pela lembrança de um ato sexual ambíguo do pai sobressai nesse contexto.  
*
“Em Breve nos Cinemas”. 
Os tormentos psicológicos condensados nessas narrativas curtas e agudos do espetáculo paulista surgem numa construção fragmentária e labiríntica que conscientemente se esquiva de tocar diretamente no ponto nevrálgico (ou essencial) na montagem curitibana.   

O Teatro de Breque aborda vida e obra de David Foster Wallace adotando a linguagem cinematográfica.  O principal dispositivo da encenação de “Em Breve nos Cinemas” reproduz o do espetáculo “Julia” (da Cia. Vértice), apresentado no Festival de Curitiba do ano passado pela diretora carioca Cristiane Jatahy; e no qual um câmera registrava ao vivo as atuações ocorridas em espaços do palco inacessíveis ao olhar do espectador. No espetáculo paranaense, de modo semelhante, os atores Pablito Kucarz, Tatiana Blum e Cleydson Nascimento atuam num cenário do qual o público só está apto a ver a metade frontal. O que acontece na parte posterior, atrás das paredes, chega-lhe mediado pela filmagem de câmeras em tempo real, como projeção. Teatro e cinema, deste modo, aproximam suas diferenças, coexistindo no mesmo trabalho.

O cenário, por sua vez, reedita um recurso que o cenógrafo Fernando Marés já havia usado de modo semelhante em “Oxigênio” (da Cia. Brasileira), tombando-o a certo momento para revelar um espaço de natureza que traz outra dimensão à narrativa vista até então em cena. Trata-se das versões ficcional e supostamente real do escritor, que compartilha suas ideias e inquietações ao mesmo tempo em que se acompanha uma de suas relações amorosas.

“Em Breve nos Cinemas”.

“Em Breve no Cinema” estende um terreno acidentado pelo qual os atores e o público vão transitar. Irregularidade esta que poderia ser apontada como um problema no espetáculo, mas também poderia significar a manifestação de uma crise com grande potencial transformador caso se instaure no trabalho da diretora Nina Rosa Sá e do grupo Teatro de Breque. Eis que a encenação se mostra no meio do caminho entre um fazer estabelecido desde outros espetáculos e um movimento expansivo de ruptura que aponta novos horizontes.

Isso se desenha pela concorrência de duas linhas de força. De um lado está o desenvolvimento de uma estética que se serve de códigos da cultura pop e da ilustração como recurso de linguagem: marcas recorrentes nas criações do grupo. Esse DNA se afina ao gosto do autor norte-americano por temas corriqueiros. Deste modo, o grupo assimila aspectos da linguagem dele, como as célebres notas de rodapé e as teorias matemáticas, e segue caminhos tortuosos povoados de saborosas referências clichês e ligeiras, como costumam ser as pop.

Do outro lado, está a pulsão contida por atingir a essência pelo conteúdo do que se diz, o tal ponto nevrálgico que, no caso de D. F. W., conduziu ao suicídio. O discurso do Teatro de Breque nega a si mesmo essa possibilidade, repelindo-a com a justificativa (deles ou só do escritor?) de que uma abordagem direta do que “realmente importa” tende ao descrédito. Prefere os meandros de quem fala como se não soubesse do que fala.

“Dois peixinhos estão nadando juntos e cruzam com um peixe mais velho, nadando em sentido contrário. Ele os cumprimenta e diz:
– Bom dia, meninos. Como está a água?

Os dois peixinhos nadam mais um pouco, até que um deles olha para o outro e pergunta:

– Água? Que diabo é isso?”
(D. F. W.)

* “Uma História Radicalmente Condensada da Vida Pós-Industrial” foi visto em Belo Horizonte, no dia 15 de março, e no Festival de Curitiba, em 30 de março. “Em Breve nos Cinemas” foi visto no Festival de Curitiba, em 29 de março de 2013.

31/03/2013 TAGS: Curitiba, David Foster Wallace, Festival de Curitiba, São Paulo 0 COMMENT
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