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“Spam” leva a vida virtual à saturação

por Luciana Romagnolli ::

Rafael Spregelburd é ator, dramaturgo e diretor de Spam.
Como um contador de histórias da era multimídia, o argentino Rafael Spregelburd põe-se diante do público em Spam para apresentar desordenadamente as peripécias infindas nas quais se envolve o personagem Mario Monti. Como um Ulisses desvairado que foge da máfia chinesa devido a atos que cometeu pela internet, ele narra sua saga tragicômica, que seria épica se não fosse absurda.
Em síntese: Monti responde a um spam, intercepta milhões de dólares de uma interlocutora chinesa, refugia-se na ilha de Malta e perde a memória. Tal história rocambolesca, recheada de desventuras, desdobra-se num quebra-cabeças de duas horas de duração.
Se Monti não é um heroico Ulisses, poderia ser um personagem da franquia Se Beber Não Case: um homem que desperta em um hotel desconhecido usando um smoking que nunca antes viu e procura ao redor pistas sobre quem é e como foi parar ali.
Mais do que uma história permeada por referências da cultura pop e do mundo virtual, contudo, Spam busca se conectar com um tipo de sensibilidade contemporânea muito particular, definida por dispositivos como o Skype, o Pay Pal, o Google Tradutor e o e-mail – transformadores das relações interpessoais e dos modos de percepção a níveis que ainda não somos capazes de calcular precisamente.
Para que essa sensibilidade se estabeleça, é nos lixos virtuais que está a chave – ou seja, no spam. A sensação de esgotamento de um mundo pouco concreto vem do excesso de estímulos despropositados que povoam a esfera cibernética, fazendo dela um simulacro da vida “real” igualmente entulhada de lixo – físico, ideológico, político.
Ao explicar a ideia de “vida líquida”, própria do nosso tempo, o filósofo Zygmut Bauman destaca justamente a indústria de remoção do lixo. “A sobrevivência dessa sociedade e o bem-estar de seus membros dependem da rapidez com que os produtos são enviados aos depósitos de lixo e da velocidade e eficiência da remoção dos detrimentos”, escreve. Não há tempo para consolidar experiências, tudo se torna rapidamente obsoleto e, se não há segurança nos modelos do passado, a condição geral é de incerteza.
Pois é esta sensibilidade líquida própria do momento atual do capitalismo que está em jogo em Spam, vista por um olhar paródico, que capta com cinismo e humor as idiossincrasias da virtualização da experiência humana. Spregelburd se concentra na narrativa porque é da história contada que surgem analogias possíveis com o mundo “real” – por exemplo, a perda de memória do protagonista ecoa todo um povo sem memória.
O olhar do ator, dramaturgo e diretor sobre esse mundo – virtual ou real – identifica, sobretudo, a sua cota de absurdo. Spam desliga-se de qualquer crença em uma suposta sensatez humana. O absurdo surge como forma para o despropósito da vida e para o estranhamento constante com o cotidiano: um olhar que não padroniza o mundo passando por cima de seus atentados à razão. Poderia ser pensado, então, como um antídoto ao anestesiamento dos sentidos pela lógica racionalista. Mas na lógica do absurdo também não se vê possibilidade de ação.
O músico Zypce produz uma variedade de sons cambiantes.
Ao lado do músico Zypce, responsável por criar um espaço sonoro mutante, fundamental para a sensação de se estar fora de um território físico conhecido e por aumentar o grau de absurdo da experiência cênica, Spregelburd atua ao microfone, como um personagem que apresenta a própria vida ao público. Sua ação é praticamente toda verbal.
A despeito da quantidade de vídeos que permitem leituras críticas para além da camada de humor evidente, a verborragia é o principal modo que o diretor encontra para encenar o saturamento da vida contemporânea. Por acreditar talvez excessivamente na força da história e das palavras, contudo, o espetáculo perde justamente seu caráter de imprevisibilidade e de surpresa, que a desordem das cenas e a música de Zypce tentam estabelecer. Torna-se assim, por si mesmo, uma experiência de saturação.
Texto originalmente publicado no jornal Gazeta do Povo.
Espetáculo visto no dia 30 de março de 2014, no Festival de Curitiba.
01/04/2014 TAGS: Argentina, Festival de Curitiba, Rafael Spregelburd 1 COMMENT
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