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“O Espelho” evidencia a dificuldade de quebrar a hierarquia no convívio teatral – Mostra Oficial do Festival de Curitiba

por Luciana Romagnolli

“O Espelho”. Fotos de Annelize Tozetto.

Em sua empreitada para definir o teatro sem desconsiderar que essa arte passa por um processo de desdelimitação na contemporaneidade, o ensaísta e dramaturgo argentino Jorge Dubatti identifica uma estrutura matriz singular que o diferencia de outras manifestações culturais também fundadas na representação, como o cinema e a televisão: “o resgate do convívio”, isto é, “a reunião sem intermediação tecnológica – o encontro de pessoa a pessoa em escala humana”. Para ele, o teatro é um acontecimento da cultura vivente e concreta, de modo que “necessita participar da realidade e separar-se dela para ser”.

Dubatti propõe, a partir disso, uma definição ontológica da composição interna do teatro, segundo a qual esta arte seria conformada por uma tríade. O acontecimento convival – sendo o convívio definido como “encontro de presenças em uma encruzilhada espaço-temporal cotidiana” – associado ao acontecimento poético – a elaboração artística, que dá um salto ontológico para além da realidade cotidiana – e à expectação – o espaço de percepção do espectador, onde o teatro enfim se constitui como tal, mas não sem os outros dois fatores anteriores. 
Essa dimensão do convívio sobressai em “O Espelho”, apresentado pelo grupo paulista Opovoempé na Mostra Oficial do Festival de Curitiba. O espetáculo integra a trilogia A Máquina do Tempo, completada por “A Festa” e “O Farol”, cada um com uma proposta de experiência cênica para uma reconfiguração da percepção do tempo por parte do espectador. Enquanto “A Festa” focava-se na copresença entre público e atores e na tomada de consciência sobre o agora e o tempo de uma vida, “O Espelho” desloca o foco da atenção para o tempo de um ponto de vista geracional, além do contraste entre o tempo urbano e o bucólico, investindo em um espetáculo menos elaborado do ponto de vista poético, mas no qual o acontecimento convival (tantas vezes relegado em produções teatrais) é elevado a primeiro plano.

Em Curitiba, o local de apresentação (se é que o termo cabe neste caso) foi o gramado do Bosque do Papa. Em torno de uma mesa de café da manhã, o público e as atrizes convivem pelo tempo do espetáculo. A situação potencial é a de uma conversa conjunta à qual todos contribuam com memórias pessoais, estimulados pelas recordações narradas pelas atrizes. Essa é uma negociação difícil, complexa, porque demanda do espectador uma participação espontânea, que lhe exige tomar a palavra, e à qual ele está completamente desabituado, e até desautorizado, no teatro em geral. Como romper a hierarquia entre plateia e atores – esse “povo em pé”? Será possível? Ou será possível mesmo dentro do esquema hierárquico libertar a voz do espectador para que ele possa agir sem necessitar de um comando específico?

Sim, porque é notável como o grupo em nenhum momento inquire o espectador, não lhe direciona nem uma pergunta que pudesse autorizá-lo ou ordená-lo a responder. Abdica desse recurso que poderia disparar a conversa com muito mais facilidade para manter em questão a possibilidade de o público tomar por si essa iniciativa e tornar-se, também, metaforicamente, “o povo em pé”.

Na apresentação da manhã de sábado (30 de março de 2013) em Curitiba, a conversa tardou e se seguiu tímida, revelando a dificuldade de vencer essa convenção que interpõe uma imaginária quarta parede entre atores e espectadores mesmo quando partilham a mesma mesa.

Contudo, foi perceptível (por gestos, sorrisos, movimentos de cabeça, murmúrio) o quanto, mesmo calados, os espectadores mobilizavam recordações particulares e processavam, internamente, um diálogo mudo com o tecido sensível da memória familiar proposto pelo grupo. Essa capacidade de tornar o espectador emocional e intelectualmente ativo em meio a uma atmosfera afetuosa é um enorme feito do Opovoempé, como já havia demonstrado em “A Festa”.

“O Espelho” também desperta para o contraste da percepção e experiência do tempo cotidiano por aquela geração e pela nossa, usando para tanto obsoletas fitas K-7 que os espectadores ouvem em meio ao gramado, sensibilizando-se para as idades e individualidades que se expressam ali; e simultaneamente sendo confrontado com a diferença da passagem do tempo experienciada normalmente num espaço urbano e num espaço bucólico, como aquele para onde convida o público.

O que poderia ser melhor desenvolvido no espetáculo é o fim dado às perguntas que o espectador é incitado a escrever em papeizinhos. Embora a leitura por ondem cronológica de idade proporcione uma dimensão da trajetória de uma vida, torna as questões em si meramente anedóticas, desperdiçando um material pessoal que o espectador mobilizou.

*Espetáculo visto no 22º Festival de Curitiba, em 30 de março de 2013.

01/04/2013 TAGS: Festival de Curitiba, Opovoempé, São Paulo 5 COMMENTS
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5 Comments

  1. Luciana Eastwood Romagnolli 12 anos AGO REPLY

    Olha que interessante o que a diretora compartilhou no link acima:

    Entre algumas das situações, tivemos:
    – uma platéia muda, altamente especializada de jornalistas, críticos e curadores, onde todos se conheciam profissionalmente, mas onde encontrei olhares eloqüentes e recebemos belas perguntas.
    – uma platéia tímida, enquadrada pela invasora e inesperada presença de um canal de televisão com sua imensa câmera e onde senti a palavra paralisada, frustrada por não sair.
    – uma platéia lá em casa, animadíssima e bem humorada, onde amigos se chamavam pelo nome, rodeada por pessoas em pé que intervinham igualmente.
    – uma platéia cavalo doido, dessas que desembestam em suas próprias direções, que corre como um rio com vida própria, e onde cabia aos performers direcionar sutilmente um fluxo que se abria incessantemente para outras dramaturgias.

  2. Luciana Eastwood Romagnolli 12 anos AGO REPLY

    Olha que interessante o que a diretora compartilhou no link acima:

    Entre algumas das situações, tivemos:
    – uma platéia muda, altamente especializada de jornalistas, críticos e curadores, onde todos se conheciam profissionalmente, mas onde encontrei olhares eloqüentes e recebemos belas perguntas.
    – uma platéia tímida, enquadrada pela invasora e inesperada presença de um canal de televisão com sua imensa câmera e onde senti a palavra paralisada, frustrada por não sair.
    – uma platéia lá em casa, animadíssima e bem humorada, onde amigos se chamavam pelo nome, rodeada por pessoas em pé que intervinham igualmente.
    – uma platéia cavalo doido, dessas que desembestam em suas próprias direções, que corre como um rio com vida própria, e onde cabia aos performers direcionar sutilmente um fluxo que se abria incessantemente para outras dramaturgias.

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