• Início
  • Categorias

    Hot Categories

    • conversações

    • podcast

    • críticas

    • coberturas

    • entrevistas

    • dossiês

    • ensaios

  • Quem somos
  • Contato
  • Ações
  • Parceiros

Horizonte da Cena

Horizonte da Cena

capa críticas

Oxossi é caçador: a fissura como proposta estética

Uma mirada a partir das performances “Linha de Frente” e “Apologia III”, de Anderson Feliciano, do Coletivo Tropeço, apresentadas na segunda temporada da segundaPRETA1, realizada no teatro espanca!

– por Soraya Martins –

Performances "Linha de Frente" e "Apologia III", de Anderson Feliciano (fotos de Pablo Bernardo)

Performances "Linha de Frente" e "Apologia III", de Anderson Feliciano (fotos de Pablo Bernardo)

Performances "Linha de Frente" e "Apologia III", de Anderson Feliciano (fotos de Pablo Bernardo)

Performances "Linha de Frente" e "Apologia III", de Anderson Feliciano (fotos de Pablo Bernardo)

Fotos de Pablo Leonardo

Fragmento I:

Em termos espaciais e militares, a vanguarda é a primeira linha de um exército, de uma esquadra, em ordem de marcha ou de batalha. O conceito de vanguarda é inconcebível sem o seu oposto. A retaguarda é a parte que protege e consolida o movimento da tropa em questão. Os melhores militares com frequência são colocados lá.

Na nossa guerra diária, não há dúvidas sobre os corpos que são colocados na linha de frente, sobre quais corpos são disparados os canhões.

Há quem prefira disparar canhões.

Há quem prefira apoderar-se deles, desmontá-los peça a peça, refazê-los e extrair deles a parte que nos agride.

Há quem prefira inventar novas histórias.

Na avant-garde de “Linha de Frente”: O corpo da presença, no equilíbrio precário da ponta dos pés. A possibilidade da queda. A queda como potência criadora.

Ainda na avant-garde: O corpo como discurso, tecendo uma coreopolítica que nos obriga a refletir e estar disponível para outras possibilidades subjetivas e estéticas em arte.

Na coreopolítica: Ponta dos pés, tronco deslocado, pescoço alongado.

O que o significante “corpo” evoca como significado?

É um corpo enforcado? E como o corpo vivo encontra esse lugar com força?

Para além da resistência, que só ela já não basta, o que se anuncia?

“Adentrar a zona da arte contemporânea negra é submergir numa performance que, em exposição da sua autoconsciência, busca mudar padrões coloniais do ser, do saber e do poder em ato estético-performativo” (Diego Pinheiro).

Não se pode liquidar o próprio corpo negro com a arma do outro. Mina-se a arma do outro com todos os elementos possíveis nessa performance. Inventa-se outro texto.

Fragmento II

“Só pode ser salvo o que foi arrancado à totalidade triunfante do discurso e da ordem estabelecida” (Jeanne Marie). Nesse sentido, em “Apologia III” – performance (des)costurada em sete pequenos fragmentos -, a fragmentação, a ruptura, o tropeço podem cessar a repetência do previsível e algo outro pode advir.

Sete pequenos fragmentos tecidos a partir da memória – gestos, oralituras, fotos e, ainda, lembranças traumáticas. Lembra-se do passado, não como uma simples enunciação oca, mas como uma tentativa, sempre retomada, de uma fidelidade a aquilo que nele (passado) pedia outro devir.

Foto de quando era criança.

Foto do pai aos 38 anos.

Dizem que pai e filho se parecem.

O escuro. Memória traumática? Esquecimento? O que significa perceber no escuro? É uma forma de inércia ou de passividade?

Não se comprava peras.

Antes: pera, peroba.

Agora: come-se a pera.

Aqui, a ruptura/fragmentação é proposta estética. A ruptura como forma que volta incessantemente ao passado, estabelecendo fissuras e cesuras com o continum da história. E dessa fragmentação e volta ao passado, é possível permitir uma outra história vir à tona. Como diz Jeanne Marie, “as fraturas numa narração são indícios de uma falha essencial que pode emergir outra verdade”.

Em “Apologia III”, o verdadeiro objeto da lembrança e da rememoração não é, simplesmente, a particularidade de um acontecimento, mas aquilo que nele é criação específica, emergência do novo – um lembrar criador e transformador. Espiralar: “atualiza os diapasões da memória, lembranças resvaladas de esquecimento, tranças aneladas na improvisação que borda os restos, resíduos e vestígios” (Leda Maria Martins). Emergência do novo de onde se pode refletir sobre as questões raciais e de gênero, sobre as desigualdades sociais e também construir espaços e relações que podem reconfigurar, material e simbolicamente, um território comum. “Uma iniciativa epistêmica da produção do desejo.”

Fragmento III

Como fazer arte negra contemporânea na era do genocídio (houve era em que não existiu?)?

Não se superam os conflitos entre opostos. As teses e antíteses não se fecham, por isso, as questões sempre voltam. Uma presença obsidiante.

Silêncio. Repetição. Fragmentação. Tempo expandido. Como esses elementos se expressam esteticamente? Pensar no como/na forma em que “Linha de Frente” e “Apologia III” se tecem é pensar em uma espécie de melancolia da forma, com total consciência do passado que não passou, de uma ferida social aberta transformada em potência criadora. É pensar na arte e na forma como lugar em que essa melancolia se tensiona.

“Linha de Frente” e “Apologia III” interiorizam os conflitos e impasses socioculturais e os (re)elaboram como experiência estética. As duas performances provocam choques, perturbações, deslocam o foco do olhar. A estratégia de voltar-se para o silêncio, a repetição e a fragmentação permite manter a tensão, historicamente crucial, que pauta as relações entre indivíduo e história. E esses elementos, junto com o corpo performativo/pulsante, que fala do lugar do vivido, reconfigura traumas e aponta, na potência do negativo, para a impossibilidade de uma linguagem plena e de sentido totalizante.

1 A segundaPRETA é um projeto criado por um grupo de artistas negras e negros de Belo Horizonte com objetivo mostrar as produções pretas, refletir e estabelecer um diálogo tensionado sobre as várias poéticas da cena negra contemporânea.

30/05/2017 TAGS: #coletivotropeço, #segundapreta, #teatrocontemporâneo, #teatroespanca, #teatronegro, Performance 1 COMMENT
SHARE
Leia mais

Comente Cancel Reply

Diante do corpo de uma mulher negra

La Movida e ''Sapato Bicolor'': espaços de arte, criatividade e “lugar de memória”

  • About Me

    Soraya Martins

    Atriz, crítica teatral e curadora independente. Curadora do Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia- FIAC-2019/2021/2022 e do Festival Internacional de Teatro de Belo Horizonte- FIT-BH-2018. Doutora em Literatura de Língua Portuguesa e mestre em Estudos Literários. Atriz formada pelo Teatro Universitário da UFMG. Cursou Semiologia do Teatro no Dipartimento di Musica e Spettacolo dell´Università di Bologna, Itália. Desde 2005, atua como atriz e pesquisadora de teatralidades brasileiras. Escreve críticas teatrais tanto para o projeto segundaPRETA quanto para o site Horizonte da Cena e para festivais, como: Festival de Curitiba, Mostra Internacional de Teatro- MITsp, Festival Estudantil de Teatro- BH, Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto. Tem em seu currículo trabalhos realizados junto a diversos grupos de teatro, entre eles, o Grupo Espanca!
  • categorias

Relacionados

ensaios Correspondências sobre uma cena imaginada – Parte I

dossiês Políticas da mulher

ensaios atenção ou por uma performance queer do processo  

críticas Corpo como território de invenções e subversões

ensaios Correspondências sobre uma cena imaginada – Parte II

críticas A música lhe pede assim: o Brasil pintado pela amefricanidade de Marku Ribas

Quem Somos

O Horizonte da Cena é um site de crítica de teatro criado em setembro de 2012 pelas críticas Luciana Romagnolli e Soraya Belusi, em Belo Horizonte. Atualmente, são editores Clóvis Domingos, Guilherme Diniz e Julia Guimarães. Também atuam como críticos Ana Luísa Santos, Diogo Horta, Felipe Cordeiro, Marcos Alexandre, Soraya Martins e Victor Guimarães. Julia Guimarães e Diogo Horta criaram, em 2020, o podcast do site. Saiba mais

Cadastre seu email

Mantemos os seus dados privados e os compartilhamos apenas com terceiros que tornam este serviço possível. Leia nossa política de privacidade.

Verifique sua caixa de entrada ou a pasta de spam para confirmar sua assinatura.

Siga-nos nas redes

Horizontedacena

Horizontedacena

Horizonte da Cena
Direitos Reservados © 2017 - 2019 Horizonte da Cena